Que software é desenvolvido com a metodologia Ágil ninguém questiona, mas será que consigo aplicar o Ágil ao desenvolvimento de outros tipos de produtos? Vamos considerar um carro, por exemplo. Imagine você indo na concessionária para comprar um carro, o vendedor logo explica que você vai receber primeiro só a carroceria, como o motor, as rodas e alguns sistemas básicos. Você faz uma cara de espanto, mas o vendedor logo explica que assim você já vai conseguir dar a partida e levar o carro para casa, as outras partes você vai receber aos poucos, assim a cada mês você receberá mais algumas partes e daqui a um ou dois anos você vai ter um carro completo!!! Bem, assim não funciona.... ninguém vai comprar este carro e nem a montadora conseguiria aprovação para vender isto. Então não posso usar o Ágil para desenvolver este tipo de produto? Pode sim, e ajuda muito. O que precisa ser percebido é que no desenvolvimento de um produto complexo como um carro, as diversas áreas da empresa funcionam como clientes internos das outras áreas, e na maior parte do ciclo de projeto, o que uma área entrega para outra é informação. É claro que o cliente final também precisa ser escutado e entendido. Aqui vou contar um pouco da minha experiência pessoal trabalhando na engenharia avançada de uma grande montadora. Tive a sorte de ocupar uma posição onde além de contribuir para a seleção dos conceitos no início de um projeto novo, eu tinha ainda a responsabilidade de entender a voz do cliente e garantir que ela fosse transformada em especificações de engenharia, e ainda tinha na minha mão a reponsabilidade pela integração entre as diversas partes da engenharia, a área de design e outros departamentos como qualidade, manufatura e pós-vendas. Bem, nesta época eu ainda não tinha muito conhecimento do Ágil, mas depois estudando mais, percebi que vários elementos da metodologia Ágil eram aplicados, ao menos parcialmente. Por exemplo, no início do projeto o escopo diz apenas sobre as linhas gerais de como deve ser o produto, mas ele é construído com uma troca de informações entre áreas que vai amadurecendo ao longo do projeto, assim a característica de escopo adaptativo dos projetos Ágil, em boa parte acontecia.
Embora o ciclo de desenvolvimento de um produto como um automóvel possua fases bem definidas, com “gates” onde é aprovada a verba para continuidade do projeto, ou cancelamento do mesmo, as funcionalidades ou informações relativas aos sistemas, eram divididas em centenas de pequenos blocos que eram executados e entregues ao longo de cada fase, aqui era minha função também, garantir que estes blocos de informação estivessem sempre feitos em acordo com quem executava a atividade, quem iria receber a informação no final e quem era afetado por aquela informação. No mínimo duas reuniões para cada bloco, similar a um “sprint” e depois a uma “retrospectiva”, até o tempo de 4 semanas em média para cada bloco era parecido com o praticado no SCRUM, além de reuniões de acompanhamento semanais, ou em menor tempo, para casos críticos.
Outra coisa interessante, é que muitos pensam que o cliente final só vê o produto no final, quando é feito o lançamento para o mercado. Na verdade, existem alguns eventos, chamados clínicas, onde alguns clientes potenciais veem partes ou funcionalidades do projeto. É como se fosse uma entrega parcial onde são colhidos os “feedbacks” dos clientes, que podem alterar o projeto inicial.
Como estas, podem ser citadas muitas outras semelhanças, o nome pode mudar, a estrutura em geral é mais rígida, mas muitos dos princípios do Ágil são aplicados em desenvolvimento de outros tipos de produto e ajudam em muito a melhorar o processo de desenvolvimento de novos produtos.
Mauricio Terreo
25/03/2021 22:00